A mocinha da novela diz, com ênfase, saboreando cada sílaba: “Agora ele precisa escolher entre eu e eles”. Na porta da igreja, o cartaz convida: “Vinde a mim todos que estais necessitados”. E assim segue. O impulso primeiro é reagir. Como podem tratar a língua tão mal! Mas então o impulso passa e pode-se pensar. No Brasil contemporâneo, este em que a nova classe média tem acesso a bens que antes não tinha, e que se torna um importante público consumidor, uma nova oratória passa a ser praticada. Não descarto que nem autor, nem diretores e atores tenham percebido o erro de construção na frase da jovem e talentosa atriz, tampouco desconsidero que o material da igreja esteja repleto destes cacos retirados de algum original do Evangelho. Pode bem ser isso. E os professores Pasquale estão aí para fazer disso assunto. Gosto mais de outra hipótese. Gosto de pensar que o autor de novela põe o erro linguístico (me perdoem os gramáticos gerativos!) na boca da atriz para mostrar a origem humilde da personagem, mesmo que no restante de suas construções seu português seja bastante aceitável. Gosto de pensar que o pastor e seus asseclas quando recortam alguma mensagem reconfortante dos testamentos originais façam questão de abusar da velha confusão da segunda com a terceira pessoa do plural, utilizando o vós, que caduca na língua diária, como um modo de sugerir refinamento ao trato cotidiano. Autor e pastor praticam uma nova oratória, onde um erro reproduzido diversas vezes dá a sensação de inclusão aos que até então estavam apartados.
31 de outubro de 2014
A coluna – A nova oratória
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